- Falta planejamento
- Carmelitas desfilou sem documentação
- Reunião com a riotur e simpósio
- Banda de ipanema também protesta
- Riotur deveria assumir burocracia, diz fundador
- Marco civil do carnaval parado na câmara
- O que diz a riotur
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Bloco Me Esquece desfila no Jardim Botânico — Foto: Fernando Maia/Riotur
Os principais organizadores da folia popular do Rio de Janeiro já estão pensando no carnaval de 2024. E a primeira bandeira levantada é a da desburocratização. Os responsáveis pelos principais blocos da cidade querem mudar o atual modelo de autorização dos desfiles.
A principal reclamação sobre o carnaval desse ano foi em relação ao número de documentos que deveriam ser entregues em diferentes órgãos públicos, segundo os representantes, em um prazo muito apertado. Para os organizadores, a burocracia desanima quem pensa em desenvolver a cultura do carnaval de rua.
"Tem que mudar tudo. Não dá mais pra ser como é. Para que dê certo e seja bom para todas as partes, a gente vai ter que desburocratizar. Ou então vamos todos para a clandestinidade", comentou Rita Fernandes, responsável por 14 blocos que desfilam na Zona Sul e no Centro.
Segundo Rodrigo Rezende, presidente da Liga Carnavalesca Amigos do Zé Pereira, responsável por nove blocos que desfilam no Rio, é importante iniciar esse debate o quanto antes. Rodrigo é uma das vozes que defendem que o município precisa de um órgão centralizador para receber os pedidos e autorizar os desfiles.
Responsável pela administração de blocos como a Orquestra Voadora, Cordão do Bola Preta e Céu na Terra, Rodrigo acredita que a burocracia para confirmar as inscrições dos blocos e conseguir as autorizações de diferentes órgãos, como Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e CET-Rio, por exemplo, tem dois tipos de problemas: novos blocos se afastam e os tradicionais desanimam.
“Não há uma centralização das autorizações junto a prefeitura do Rio. O excesso de regramentos é uma característica do Brasil e os efeitos colaterais acontecem o que resultam em dois problemas: acabam muitos dos blocos tradicionais, que não querem chegar a um nível alto de profissionalização, e, novos blocos ficam fora do circuito oficial, porque se assustam com a burocracia. Ou seja, a burocracia é ruim para todos, inclusive para o próprio poder público”, comentou Rodrigo Rezende.
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O desfile da Orquestra Voadora nesta terça-feira (21) de carnaval, no Aterro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, levantou a bandeira da inclusão — Foto: Fernando Maia/Riotur
Para Rita Fernandes, presidente da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro (Sebastiana), a relação com a Riotur precisa mudar. Segundo a representante, atualmente os blocos são obrigados a cumprir uma lista grande de exigências de vários órgãos públicos diferentes.
"A nossa relação tem que ser só com a Riotur. Cabe a Riotur se organizar com os órgãos para a coisa dar certo. O papel do bloco é comunicar a Riotur e fazer uma declaração dizendo que vai cumprir com tudo que foi combinado, que está tudo ok para colocar o bloco na rua", argumentou Rita.
"Não cabe ao bloco ficar nessa gincana indo em todos os órgãos, nessa correria, com o tempo apertado. O Corpo de Bombeiros, por exemplo, tem uma nota técnica grande, uma lista de 'a a z', com uma quantidade de exigências que não tem cabimento", exemplificou.
Rita acredita que o Rio de Janeiro deveria buscar inspiração no modelo do carnaval de rua de São Paulo, que esse ano teve mais de 500 blocos desfilando em 7 dias de folia.
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Foliã vidente se diverte no Bloco Areia — Foto: Gustavo Stephan /Riotur
Os blocos de rua no Rio seguem o cronograma da Riotur, empresa pública municipal que organiza os desfiles. A programação oficial terminou no último domingo (26), quando 20 blocos desfilaram no último dia do carnaval 2023.
Ao todo, o poder público autorizou415 blocos, em 456 desfiles por toda cidade, contando o período do pré-carnaval e do carnaval desse ano.
Falta planejamento
A falta de planejamento antecipado também é uma reclamação constante entre os organizadores. Segundo relatos, em 2023, a empresa pública do município que cuida do carnaval de rua só começou a tratar com os blocos em dezembro.
"Em dezembro eu fiz uma reunião com a Riotur e eles já estavam atrasados. Eles estavam preocupados com o réveillon e deixaram a organização do carnaval de lado. A nova gestão chegou em dezembro, não to dizendo que a culpa é deles, realmente já não dava tempo. Mas era preciso um planejamento anterior pensando no carnaval de rua", disse Rita.
Carmelitas desfilou sem documentação
Segundo alguns organizadores, por conta dos prazos apertados estipulados pela Riotur, alguns blocos desfilaram no pré-carnaval sem a documentação regularizada.
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Foliões se vestem de freira para curtir o Bloco das Carmelitas no Rio — Foto: Fernando Maia/Riotur
Rita Fernandes disse ao g1 que o problema aconteceu com o Bloco das Carmelitas, um dos mais tradicionais do Rio. A falta de documentação adequada pode impedir que o grupo tenha acesso aos patrocínios que já estavam fechados.
"Quando o documento do Carmelitas chegou, o bloco já tinha desfilado, já tinha acabado tudo. Ela (Riotur) não pode condicionar uma autorização que depende dela própria e que ela atrasa. (...) Eu preciso dessa documentação para as leis de incentivo, que garantem o patrocínio do bloco", questionou Rita.
Rita Fernandes também lembrou da troca no comando da empresa de turismo do Rio, às vésperas do réveillon e do carnaval. O atual presidente da Riotur, Ronnie Aguiar, assumiu a cadeira em dezembro de 2022.
"Não é culpa da nova gestão que entrou em dezembro. Claro que eles não iriam resolver um carnaval em um mês. Mas a gestão anteiro sim. Se tinha gente saindo para concorrer a cargo público, que deixasse tudo amarrado", comentou Rita.
Reunião com a Riotur e simpósio
Para tentar mudar o modelo do carnaval de rua, os representantes de blocos pretendem se reunir com a Riotur na próxima semana.
Além disso, os blocos devem organizar ainda no mês de março um simpósio para levantar alternativas e discutir o futuro do carnaval de rua do Rio. Batizado de 'Desenrolando a Serpentina', o evento promovido pela Sebastiana pretende tratar dos seguintes assuntos:
- Desburocratização do carnaval de rua da Riotur;
- novo modelo de patrocínio para blocos e prefeitura;
- cobrar a votação da lei do Marco Civil do Carnaval, na Câmara de Vereadores;
- e sugerir novos editais de fomento, com linhas de incentivo da Secretaria Municipal de Cultura
Banda de Ipanema também protesta
Ainda em janeiro, os organizadores da tradicional Banda de Ipanema estavam revoltados com a burocracia apresentada pelo poder público para autorizar os desfiles do grupo.
Os responsáveis pela banda disseram que a prefeitura criou uma série de dificuldades para autorizar o primeiro dos quatro desfiles previstos da Banda de Ipanema em 2023.
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Alegria transborda no rosto de folião vestido de palhaço no bloco Toca Raul no Rio de Janeiro neste domingo (19). retratos* — Foto: Alexandre Durão / G1
Por conta dos problemas para entregar toda a documentação, a banda não teve um de seus tradicionais desfiles em 2023, que aconteceria no pré-carnaval.
"Esse primeiro desfile é o mais tradicional. A Banda de Ipanema foi fundada em 1965, em um sábado, a dois finais de semana do carnaval, e desde então a gente abre a festa nessa data. Mas este ano a prefeitura não autorizou. Tem gente na Riotur que não sabe nada de carnaval! Parece que caíram de paraquedas", disparou Claudio Pinheiro.
No calendário do grupo para este ano, a ideia era poder desfilar no dia 4 de fevereiro — exatos dois sábados antes do carnaval — e nos dias 18 e 21 de fevereiro, além de um desfile voltado para o público infantil no dia 20.
Ainda no ano passado, a Prefeitura do Rio, através da Riotur, autorizou os desfiles da banda nos dias 18, 20 e 21 de fevereiro, mas negou o do dia 4.
As autorizações por si só não garantem a realização dos desfiles. Na verdade, a Riotur libera a data do desfile e pede que os organizadores entrem em contato com outros órgãos (Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil) para conseguir a permissão definitiva.
Riotur deveria assumir burocracia, diz fundador
Na opinião de Cláudio, um dos fundadores da banda, o modelo adotado pela Riotur para o carnaval de rua no Rio não é o mais adequado. Segundo ele, o órgão público deveria cuidar dessa burocracia junto ao Corpo de Bombeiros, Polícia Civil e Polícia Militar.
"Esse processo todo é problemático, não apenas conosco, mas com outros também. Todo ano é isso, as confusões com a Riotur continuam as mesmas. O processo tinha que ser simplificado. Na minha opinião, o processo tem que ser invertido. A prefeitura que deveria mandar de uma vez só para os demais órgãos competentes todas as informações dos blocos. Eles tinham que cuidar dos blocos, valorizar os blocos", disse.
"Eles querem diminuir o número de blocos, mas tinham é que aumentar. A gente tinha que ter 5 mil desfiles na cidade. Eles deveriam estimular a criação de novos blocos. Limitar o carnaval é jogar fora uma oportunidade de ouro. O carnaval gera emprego, renda e é fundamental para a cultura do Rio", completa Claudio Pinheiro.
Marco Civil do Carnaval parado na Câmara
Uma das batalhas dos responsáveis por blocos de carnaval do Rio é pela aprovação do Marco Civil do Carnaval, um o projeto de lei que segue tramitando na Câmara de Vereadores do Rio desde 2017.
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Com desfile inclusivo, Orquestra Voadora arrasta grande público na Zona Sul do Rio — Foto: Fernando Maia/Riotur
O objetivo do projeto é legitimar os blocos de rua e propor padrões que garantam a realização dos desfiles, com segurança e a mobilidade para a população.
"O carnaval precisa virar lei, não pode ser política de governo, precisa ser política de estado”, comentou Rodrigo Rezende.
Caso o projeto seja aprovado em sua versão original, o carnaval de rua passaria a ser organizado por uma comissão organizadora. O grupo seria formado por representantes do município, como a Riotur e as secretarias de cultura, de saúde, de conservação e de ordem pública, além de representantes da Comlurb, CET-Rio e dos blocos e federações do carnaval.
O projeto prevê que o grupo deverá definir as regras do evento 200 dias antes do próximo carnaval. Os objetivos seriam:
- elaborar e aprovar o Plano Anual do Carnaval de Rua;
- elaborar o edital de coordenação dos desfiles;
- avaliar as solicitações de desfiles inscritas no edital;
- emitir parecer sobre as mesmas.
- submeter à CET-RIO o percurso informado pelo requerente;
- assessorar as agremiações junto à Superintendência para emissão do nada opor;
- acompanhar o licenciamento junto aos órgãos locais competentes;
- informar o agendamento do desfile à SETUR/RIOTUR e aos órgãos responsáveis pela logística.
A responsabilidade do poder público seria:
- garantir o planejamento, a coordenação e a fiscalização de todas as ações relacionadas ao Carnaval de Rua, de forma a minimizar os impactos nas áreas em que ocorrerem, maximizando o seu proveito comunitário;
- ordenar o trânsito nas áreas de animação, promovendo os necessários remanejamentos de trajetos de ônibus e os bloqueios, desvios e alternativas de rotas, divulgando as principais alterações na imprensa e mídias sociais, de modo a assegurar o pleno direito à mobilidade de todas as pessoas, foliões e não-foliões;
- planejar e executar as operações especiais de segurança relacionadas aos itinerários e áreas de concentração e dispersão dos blocos e assemelhados, de maneira alinhada entre a Guarda Municipal, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil, garantindo, sempre que necessário, reforço de policiamento, de modo a preservar a vida e a integridade física das pessoas, foliões e não-foliões;
- instalar e manter higienizados, durante os períodos pré-carnavalesco e carnavalesco, banheiros públicos nas áreas de animação, em quantidade compatível com o fluxo estimado de pessoas;
- disponibilizar equipamentos adequados para a deposição de lixo e intensificar os trabalhos de limpeza urbana, de modo a higienizar constantemente as vias públicas, impedindo, assim, o acúmulo de resíduos sólidos;
- assegurar o atendimento de ambulâncias e a integração ao plano de atendimento da rede do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU e ativar, em caráter extraordinário, a rede de hospitais de bairros, especialmente em áreas de maior concentração de foliões, segundo expectativa informada por blocos e assemelhados;
- garantir e manter corredores especiais para os desfiles dos tradicionais blocos de enredo e blocos de embalo do Rio, a exemplo dos existentes na Intendente Magalhães e Av. Chile;
- publicar, nas mídias sociais da Prefeitura, um Guia Completo do Carnaval de Rua da Cidade, com o objetivo de divulgar amplamente a programação das atividades, bem como as informações sobre os serviços públicos prestados;
- desenvolver o plano de viabilização financeira para o Carnaval de Rua no âmbito da Prefeitura, considerando a disponibilidade de recursos públicos e o potencial de captação de recursos privados;
- fortalecer o combate ao preconceito e a qualquer tipo de discriminação, promover a igualdade racial e apoiar as redes de proteção aos direitos das pessoas divulgando os mecanismos disponíveis de denúncia a violação desses direitos, durante o período;
- adotar as medidas necessárias à proteção do patrimônio histórico da cidade, a exemplo da colocação de tapumes, de modo a preservar-lhes a integridade.
Já os organizadores dos blocos seriam responsáveis por:
- cada bloco deverá, individualmente inscrever-se no Edital Anual, informando nome do grupo, nomes de três responsáveis, local de concentração, percurso, local de dispersão, número de apresentações, datas, horários, número estimado de foliões e eventuais demandas especiais;
- adotar medidas relacionadas à segurança de veículos e equipamentos utilizados durante o desfile;
- garantir o acesso de todo o público interessado, sem cobrança de ingresso;
- solicitar permissão especial no caso de utilização de equipamentos de som, trios elétricos, alegorias e assemelhados com mais de três metros de altura;
- apoiar campanhas do Poder Público de proteção à saúde, de combate a qualquer tipo de discriminação de promoção da igualdade racial e de defesa e proteção aos direitos das pessoas.
O autor do projeto, o atual deputado federal Reimont (PT), justificou a regulamentação em sua época como vereador do Rio. Na ocasião, ele argumentou que "o carnaval é o principal produto para alavancar o turismo e a economia do Rio".
"Trata-se, portanto, de estabelecer padrões que garantam a realização do evento, respeitando a multiplicidade, espontaneidade e diversidade das manifestações populares e culturais do período e em compatibilidade com os direitos, a segurança e a mobilidade de toda a população", escreveu.
O que diz a Riotur
Em nota, a Riotur informou que vai abrir um canal para sugestões "e realizar reuniões com representantes dos blocos para elaborar novas diretrizes para as inscrições do carnaval de rua 2024".
"A Riotur esclarece ainda que está aberta a toda e qualquer negociação que contribua para a realização dos desfiles de forma segura e ordeira", emendou.