A França anunciou nesta quinta-feira (17) a retirada de sua operação contra os grupos jihadistas no Mali, após nove anos de presença, embora tenha prometido, ao lado de seus aliados, prosseguir com a luta na região do Sahel, diante da crescente influência de outras potências rivais.
"Não existem mais as condições políticas, operacionais e jurídicas para continuar de forma efetiva com o atual compromisso militar na luta contra o terrorismo no Mali e, portanto, decidimos iniciar a retirada coordenada", afirma um comunicado conjunto.
A declaração, assinada pela França, seus aliados europeus, Canadá e os sócios africanos no Sahel e no golfo da Guiné, destaca a "vontade" de seguir com a luta na região, em "estreita coordenação com os países vizinhos" do Mali.
O anúncio coincide com uma reunião de cúpula em Bruxelas entre líderes da União Europeia (UE) e da União Africana (UA) sobre uma nova relação com a África, onde China, Rússia e Turquia também atuam para aumentar sua influência.
A retirada da França de sua ex-colônia acontece em um momento de tensão com a junta militar que tomou o poder no Mali após dois golpes de Estado e é acusada de adiar a transição, além de recorrer aos serviços da empresa de mercenários russos Wagner.
"Não podemos seguir comprometidos militarmente com as autoridades de fato, cuja estratégia e objetivos ocultos não compartilhamos", declarou em uma entrevista coletiva o presidente francês, Emmanuel Macron, para quem o grupo Wagner busca "defender" a junta e seus "próprios interesses econômicos".
Diante do avanço das forças jihadistas no norte do Mali, em janeiro de 2013, a França, presidida então pelo socialista François Hollande, decidiu iniciar a operação Serval, que permitiu recuperar cidades como Gao e Timbuktu.
Após o êxito militar, em meados 2014, o país iniciou uma nova operação, Barkhane, para expulsar os jihadistas vinculados à Al-Qaeda e ao grupo Estado Islâmico (EI) dos cinco países da região do Sahel - Mali, Mauritânia, Chade, Níger e Burkina Faso. Para reduzir o contingente francês, em 2020 foi criada a força especial europeia Takuba.
Mas apesar das vitórias táticas, o Estado malinês e suas Forças Armadas não conseguiram realmente recuperar o controle do terreno das mãos dos grupos jihadistas. Além disso, os soldados enfrentam um crescente sentimento antifrancês na região.
A retirada da Barkhane e da Takuba não implica a saída da missão de formação das Forças Armadas que a UE mantém no Mali (EUTM) nem da operação de manutenção da paz da ONU (Minusma), mas a incerteza passa a vigorar sobre ambas.
O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, afirmou que nos próximos dias terá a resposta da missão enviada ao Mali para verificar com Bamako se a EUTM, presente desde 2013, pode permanecer e em quais condições.
O Reino Unido anunciou discussões com seus aliados sobre o futuro da presença britânica na Minusma, ao afirmar que o grupo Wagner está "efetivamente na cama" com a junta de Bamako.
Quase 25.000 soldados estão presentes atualmente no Sahel, incluindo 4.600 franceses. Segundo o Estado Maior francês, entre 2.500 e 3.000 permanecerão na região ao final da retirada do Mali, dentro de seis meses.
Mali era o coração da operação antijihadista francesa no Sahel. Em 2021, Macron havia decidido iniciar uma redução da presença militar, mas a tensão com a junta militar que governa Bamako, que em janeiro expulsou o embaixador francês, o obrigou Paris a acelerar a reorganização.
Além de reforçar sua presença no vizinho Níger, a França e seus aliados ofereceram seus serviços aos países do golgo da Guiné para ajudá-los a conter os jihadistas. Uma decisão sobre o tema é aguardada "até junho de 2022", segundo o comunicado conjunto.
"A luta contra o terrorismo no Sahel não pode ser responsabilidade exclusiva dos países africanos", afirmou em uma entrevista o presidente do Senegal, Macky Sall, que celebrou o "compromisso renovado" de seus aliados.
A menos de dois meses das eleições presidenciais, uma retirada forçada do Mali, onde 48 soldados franceses morreram (53 em todo Sahel) em nove anos de operações, pode representar um revés a Macron, que ainda precisa confirmar sua candidatura.
Meses depois da caótica retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, que rendeu uma onda de críticas nacionais e internacionais ao presidente Joe Biden, Macron tenta coordenar ao máximo a retirada do Mali para apresentar como uma decisão conjunta.
O presidente francês rejeitou "por completo" que a missão militar contra os grupos jihadistas no Mali tenha sido um fracasso. "O que teria acontecido em 2013 se a França não tivesse decidido intervir? Teria acontecido, com certeza, um colapso do Estado malinês", declarou.
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